DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
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Dica: use aspas para expressões exatas. Ex: "gás de cozinha"

Características da família paulistana


O município de São Paulo concentra o maior nível de riqueza do país e, naturalmente, detém as características associadas a um padrão de vida mais elevado.

É por esse motivo que, apesar da enorme disparidade de renda existente entre os habitantes da região - de um lado, os muitos ricos e, de outro, os muito pobres - os seus indicadores "médios" refletem, quase sempre, patamares elevados e, não raro, pouco esclarecedores, se não forem analisados com maior profundidade. Além do mais, a qualidade de vida e parte dos indicadores sociais revelam um quadro de dramática desigualdade frente ao nível de desempenho econômico do município.

É claro que a realidade expressa por essa "média" reflete a contribuição dos "mais ricos" - com forte presença na região - e de uma ampla classe média, que coexistem com os pobres e miseráveis. Se de um lado São Paulo é, de fato, uma região com um padrão de vida mais elevado para o conjunto da sua população, de outro, a elevada dispersão que se verifica na distribuição de renda de seus habitantes acaba por encobrir, nas medidas estatísticas mais abrangentes, o seu lado mais desvalido, pobre e cinza e o contraste entre as diferentes nuances presentes nas condições de vida de sua gente.

Além do mais, ao lado da pujança econômica da região, a sua concentração urbana é tão elevada que, quando se afirma que apenas "4,3%" residem em quartos ou cômodos, conforme se informa adiante, como se esse fosse um percentual de baixo significado social e analítico, não se pode esquecer que representa, em valores absolutos, o elevado número de 122.817 famílias ou 466.705 pessoas 8 , um contingente superior ao da maioria da população das cidades brasileiras. Da mesma forma, ao se analisar os dados através de estratos de renda, tornando-os mais homogêneos, se observará a diversidade que existe entre os seus indicadores e, assim, dos diferentes orçamentos familiares.

A Pesquisa de Orçamentos Familiares 1994/95 captou essa realidade de padrões de vida contrastantes: realidades típicas de regiões bem desenvolvidas (tanto os positivos como aqueles próprios de uma megalópole do porte de São Paulo) que coexistem com outros de extrema pobreza e degradação familiar.

Como já se informou, nas pesquisas de orçamento doméstico anteriormente realizadas pelo DIEESE, foi apurado, em detalhes, o padrão de vida dos assalariados, uma vez que a presença da indústria no município de São Paulo era mais marcante. Hoje, tanto pelas mudanças do mercado do trabalho, em função da precarização dos postos de trabalho e do alto desemprego, como também pela própria evolução do perfil da cidade - cada vez mais uma grande prestadora de serviços -, o modo de vida de sua população e a reprodução da força de trabalho sofreram expressivas mudanças.

A forte associação entre a renda familiar auferida e o padrão de vida usufruído pelas famílias provoca especial interesse para a análise dos dados sobre rendimentos e exemplifica a extrema diversidade que a "média" engloba. O rendimento médio familiar total , no município de São Paulo, equivaleu a 13,5 salários mínimos, em junho de 1996, mês base da pesquisa, representando R$ 1.365,00, em valores da época.

Apesar de essa média global não ser baixa, a concentração de renda é extrema na região. Como mostra o quadro abaixo, 9,8% das famílias recebem mais de trinta salários mínimos, enquanto 10,5% ganham abaixo de três salários, sendo que 29,7% delas recebem entre cinco e menos de dez mínimos.

Rendimento familiar médio total
Município de São Paulo
dez de 1994 a nov de 1995
Rendimento familiar total
(em salários mínimos)
%
menos de 3 10,5
de 3 a menos de 5 14,3
de 5 a menos de 10 29,7
de 10 a menos de 15 17,3
de 15 a menos de 20 9,0
de 20 a menos de 30 9,3
de 30 e mais 9,8
Média em salários mínimos 13,5

Fonte: DIEESE - POF 1994/95.
Nota: salário mínimo na data da pesquisa.

No gráfico, a seguir, pode-se verificar o perfil da distribuição de renda revelado pela pesquisa. A "Curva de Lorenz" indica, ao longo da linha reta, a distribuição perfeitamente equitativa da renda, em que para cada ponto percentual da população corresponde igual parcela da renda. A situação real está demonstrada na curva e, quanto mais esta se afaste da reta "ótima", maior será a distorção na distribuição da riqueza entre a população. Conforme se observa, 50% das famílias mais pobres tocam em menos de 19% da renda , enquanto os 10% mais ricos detêm 35% e o 1% mais ricos se apropria de 7% da renda.


O rendimento familiar per capita, também expresso em salários mínimos do mês da pesquisa (junho de 1996), proporciona uma medida estatística melhor para a análise da renda familiar e demonstra, ainda, o elevado grau de disparidade da distribuição de renda. Apesar de a renda per capita média ser de 4,3 salários para o total do município, 3,8% das famílias (em dados absolutos, cerca de 108 mil famílias, ou 412 mil pessoas) apresentam menos de meio salário mínimo para cada membro da família garantir a sua sobrevivência; 10% delas, de meio a menos de 1 salário (cerca de 285 mil famílias, ou 1.085.000 pessoas). Mas o que se destaca é que 55,5% das famílias ganham menos de três salários mínimos per capita. No extremo superior da distribuição, 9,3% delas têm um valor per capita superior a dez salários..


Rendimento familiar médio per capita
Município de São Paulo
dezembro de 1994 a novembro de 1995
Rendimento familiar total
(em salários mínimos)
em %% acumulado
menos de 0,5 3,8 3,8
de 0,5 a menos de 1 10,0 13,8
de 1 a menos de 1,5 12,5 26,3
de 1,5 a menos de 2 12,4 38,7
de 2 a menos de 3 16,8 55,5
de 3 a menos de 5 19,3 74,8
de 5 a menos de 10 15,9 90,7
de 10 a menos de 15 5,2 95,9
de 15 e mais 4,1 100,0
média em salários mínimos 4,3 -

Fonte: DIEESE - POF 1994/95.
Nota: salário mínimo na data da pesquisa.

As famílias que habitam São Paulo

Do total de famílias que residem no município de São Paulo, 77,2% moram em casa térrea ou sobrado, com um número médio de 3,8 cômodos 9 . Bem servidas de alguns serviços públicos, como energia elétrica e água encanada (cobertura domiciliar de 98,6% e 98,8%, respectivamente) e coleta de lixo (95%), não conseguem, em contrapartida, utilizar o telefone com a mesma facilidade com que acendem a luz de sua residência, uma vez que apenas 38,9% dos domicílios contam com serviço telefônico.

Se, de um lado, somente 14,1% das famílias paulistanas residem em apartamento - condição de moradia altamente relacionada aos níveis mais elevados de renda - de outro, 4,3% moram em quarto ou cômodo e, em igual proporção, em cortiço ou barraco.

O tamanho médio da família paulistana é de 3,8 pessoas por família, mas 7,5% delas são unipessoais e cerca de 30% se constituem de cinco ou mais pessoas. A pesquisa apurou também que há maior predominância (36,6%) das famílias com dois filhos (média de 2,2 filhos por família), seguidas de perto de perto por aquelas com apenas um filho (32,8%), sendo que um quarto das famílias não os tem.

O papel de "chefe de família" é exercido por 26,6% do total de moradores. Os cônjuges representam 18,6% da população, 43,1% são filhos; 11,6% dos residentes são "outros parentes" e agregados. Esses resultados podem ajudar a entender melhor os tipos de família predominantes na região.

Apesar do predomínio da chamada família nuclear (58,8%), formada pelo casal e filho(s), o segundo tipo mais freqüente de composição familiar é aquele em que o chefe não reside com o respectivo cônjuge (30,1%), ou seja, são solteiros, viúvos ou separados. Nas famílias com essa característica (chefes isolados, desacompanhados de companheiras ou companheiros) desponta outro elemento diferenciador segundo o gênero: a proporção de chefes mulheres (23,9%) é muito mais elevada que a chefia masculina (6,2%) 10 .

Em média, 1,9 pessoa por família contribui para a geração da renda familiar, mas, em 42,3% das famílias, somente uma pessoa exerce esse papel, seguidas de perto pela relação de duas pessoas por família (38,4%).

Perfil da família padrão por estrato de renda

A partir de alguns dados analisados, se poderia definir a família padrão do município de São Paulo pelo critério da maior freqüência. Assim, teria como principais características a residência em casa própria - que há muito deixou de ser indicativa de padrão de vida mais elevado - de quatro cômodos, com atendimento dos serviços básicos urbanos mais comuns (água encanada, energia elétrica e coleta de lixo); seria constituída pela família de tipo nuclear - casal com filhos - composta de 3,8 pessoas por família, sendo que 1,9 pessoa, por família, contribuiria para a renda familiar. A chefia dessa família seria predominante assalariada (46,1%), masculina (76%), com o chefe na faixa etária entre 30 e 49 anos, possuindo apenas educação primária completa ou incompleta (34,7%).

Na análise desses mesmos dados com as famílias divididas por tercis - 33% delas com as menores rendas (estrato inferior), seguidas pelas dos dois subseqüente (estratos intermediário e superior), observam-se diferenças significativas.

A caracterização das famílias do estrato inferior, em particular, é socialmente muito importante, pois é aí que se insere o núcleo básico da pobreza e miséria e a sua reprodução. Notam-se diferenças marcantes, todas elas correlacionadas, quanto ao chefe de família dos diferentes estratos: concentração em determinada faixa etária, grau de escolaridade, estado civil, número de pessoas que contribui para a renda familiar, entre outros aspectos, são bem divergentes.

Em primeiro lugar, verifica-se entre as famílias com menor renda familiar uma forte presença de chefes nos extremos da distribuição etária, ou seja, 26,5% deles possuem 60 anos e mais de idade, seguindo-se os mais jovens (19,4% entre 15 e 29 anos). No no estrato superior, ao contrário, a maior concentração (28,6%) é a de chefes entre 40 e 49 anos.

Um segundo aspecto que se observa diz respeito à brutal difrença do nível educacional entre as famílias. Neste caso, trata-se de um indicador mais evidente para explicar um baixo padrão de vida e a sua reprodução. Nota-se que 10,4% não possuem nenhuma instrução e 25% só o primário incompleto, ou seja, enquanto um quarto dos chefes de família do estrato superior tem grau universitário, cerca de 50,6% deles do estrato inferior, excluídos os sem instrução, concluiu somente o antigo primário (1° a 4° séries).

Instrução do chefe de família por estrato de renda
Município de São Paulo
dezembro de 1994 a novembro de 1995 - (em %)
Instrução do chefe TotalEstrato 1
(média R$ 377)
Estrato 2
(média R$ 934)
Estrato 3
(média R$ 2.782)
Sem instrução 5,8 10,4 (-) (-)
Primário incompleto 15,4 24,6 14,2 (-)
Primário completo 19,3 26,0 16,9 14,9
Ginásio incompleto 14,2 17,8 16,6 (-)
Ginásio completo 13,4 (-) 15,1 15,3
Colegial incompleto 4,5 (-) (-) (-)
Colegial completo 12,7 (-) 14,0 16,9
Superior incompleto 3,6 (-) (-) 7,5
Superior completo 11,1 (-) (-) 25,4

(-): A amostra não comporta desagregação para essa categoria.
Fonte: DIEESE - POF1994/95.


Para se ter uma idéia da magnitude dessa informação, basta comparar a renda individual de todos que a auferem, com o respectivo grau de instrução, através dos mesmos dados da POF 1994/95. Observa-se que, a cada ciclo escolar concluído (antigo primário, ginásio ou colégio), há um aumento de cerca de 44% da renda individual em relação ao ciclo escolar imediatamente anterior. Se se considera o nível universitário, o diferencial é ainda mais elevado em relação ao colegial: 64% para os homens, 82% para as mulheres e 66% para o conjunto da população que tem renda.

Os dados sobre o rendimento familiar médio total segundo os estratos também mostram a elevada diferença que existe entre os patamares. Apesar de a renda média das famílias paulistanas apresentar um valor médio de R$ 1.365,48, a média para o estrato 1 é de cerca de R$ 377,40, a do 2, R$ 934,17, e a do 3, R$ 2.782,90, sempre em valores de junho de 1996

Como se vê, a média do segundo estrato é 147% superior à do primeiro; a do estrato superior é 198% mais elevada que a do estrato médio e está 637% acima da registrada no estrato 1. Ao relacionar o grau de instrução do chefe de domicílio com o rendimento familiar médio total, a diferença é ainda mais evidente: os chefes das famílias do estrato 3, com curso superior completo, pertencem a domicílios com renda média de R$ 3.487,00, ou seja, 10,1 vezes superior à média daqueles com chefes sem instrução (R$ 344,00).

Rendimento familiar médio total segundo instrução do chefe de família - (em R$)
Município de São Paulo
dezembro de 1994 a novembro de 1995
Instrução do chefe Total
R$ 1.365,48
Estrato 1
R$ 377,40
Estrato 2
R$ 934,17
Estraro 3
R$ 2.782,90
Sem instrução 683,00 344,00 (-) (-)
Primário incompleto 820,00 368,00 884,00 (-)
Primário completo 1.091,00 367,00 936,00 2.511,00
Ginásio incompleto 1.046,00 399,00 900,00 (-)
Ginásio completo 1.336,00 (-) 968,00 2.292,00
Colegial incompleto 1.127,00 (-) (-) (-)
Colegial completo 1.677,00 (-) 965,00 2.821,00
Superior incompleto 2.278,00 (-) (-) 2.855,00
Superior completo 2.870,00 (-) (-) 3.487,00

Nota: rendimento a preços de junho/96; deflator INPC/SP - IBGE.
(-): A amostra não comporta desagregação para essa categoria.
Fonte: DIEESE - POF 1994/95.


Uma das características mais marcantes do estrato 1, como se viu anteriormente, é a alta concentração de chefes mais idosos - mais de um quarto deles possuem 60 anos e mais de idade. Apesar de o serviço de educação ser insuficiente, face à elevada repetência, baixa qualidade e reduzido período de permanência do aluno na escola, nos último anos houve um significativo aumento do ingresso de estudantes no sistema escolar. O mesmo não se observou no caso das gerações mais idosas, que apresentam, geralmente, baixo nível de escolaridade. Assim, torna-se evidente, portanto, a correlação entre baixa escolaridade, pobreza e idade.

Observa-se como há uma alta proporção de chefes aposentados ou pensionistas (30,7%) no estrato 1, pouco inferior à dos chefes assalariados (38,9%). O estrato superior, ao contrário, apresenta uma proporção bem inferior de aposentados ou pensionistas (17,6%) e maior concentração de assalariados ( 45,7%), sendo 34,6% oriundos do setor privado e 11,1% do setor público.

Apesar de as famílias pouco se diferenciarem segundo o tamanho médio ou o número médio de filhos, o maior destaque fica por conta do número de pessoas que contribuem para o rendimento familiar. Na média, 1,5 pessoa aufere renda nas famílias do estrato inferior, contra 2,2 pessoas do estrato superior. Enquanto somente uma pessoa possui renda para 58% das famílias do estrato inferior, essa proporção é de apenas 28,8% para o estrato superior. A diferença é menor no caso de duas pessoas por família (35,4% e 40%, nos estratos inferior e superior, respectivamente), mas aumenta significativamente para os casos de três ou mais pessoas por família: 5,7% e 31,2%, a primeira no estrato inferior e a segunda no superior.

Esses dados, naturalmente, revelam famílias com perfis muito distintos. Assim, apesar da predominância da família nuclear em todos os estratos, ela é muito mais elevada para o estrato superior (64%) do que para o inferior (51%). Ao mesmo tempo, enquanto 36,3% delas, no estrato inferior, possuem chefe sem o respectivo cônjuge, apenas 14,6% do superior apresentam essa mesma situação. E isso não só por uma maior presença de viúvas (19%), no caso do estrato inferior, mas também de desquitados e separados (cerca de 10%).

Essas características conferem ao estrato inferior um padrão de sobrevivência familiar mais baixo, tanto no plano social como no econômico. Parte dessas famílias são núcleos familiares desamparados e com maior grau de desagregação familiar, em que a presença de crianças é grande, tanto com a tarefa de cuidar do próprio domicílio como de gerar parte da renda familiar. Ao mesmo tempo, principalmente quando possuem um número maior de pessoas no núcleo familiar, não raro com chefia feminina e/ou idosa ou muito jovem e com baixa escolaridade, ficam à margem da sociedade de consumo. A não ser que sejam amparadas pela sociedade através das políticas sociais, do crescimento da economia e do nível do sistema de educação, acabam por perpetuar o ciclo da pobreza.